Este blog trata basicamente de ideia própria, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas e relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus leitores.

domingo, 21 de dezembro de 2014

O Bom Velhinho vive em uma rua alagada no Ipsep e está aflito: chegou dia 21 e ele ainda não tem presentes para entregar


Papai Noel ainda estava descendo do ônibus quando o motorista decidiu pisar no acelerador. Quase velho, o olho esquerdo meio cego, ele voou longe. Bateu a cabeça no chão e ali mesmo perdeu quase todos os dentes de um canto da boca. Conta que o acidente se deu perto de um cemitério. Ele saiu rolando, rolando, e, quando finalmente o corpo parou, viu, o rosto rasgado da areia do chão, uma cova aberta quase à sua frente. Levantou-se, algumas pessoas ajudaram a limpar o sangue, tirou a poeira da camisa. Naquele dia, Papai Noel usava roupas talvez desinteressantes, pouco chamativas, de professor da rede pública municipal de Jaboatão dos Guararapes. Atendia pelo pseudônimo de José Fernando da Silva, cujo olho alquebrado, depois do impacto, nunca mais voltou a enxergar.

Papai Noel tem 52 anos e não se considera uma pessoa triste, mas quem o vê de fora não fica muito certo disso. Primeiro, porque a ausência dos dentes o constrange e, assim, o sorriso só acontece pela metade. Depois, porque tem umas olheiras grandes e bem criadas, cultivadas pelo hábito pouco saudável – seja para um bom ou mau velhinho – de dormir apenas uma hora por dia.

Diz que é a ansiedade aquilo o que não deixa descansar. Passa as horas na internet procurando uma maneira de ganhar um dinheiro a mais: foi demitido há alguns meses da escola e precisa urgentemente alimentar a renda mirrada de R$ 300 mensais. Vende ou já vendeu cosmético – Amyway, Natura, Boticário, Perfam, Avon – plano de saúde, crédito para celular, livro gospel, organizou passeios turísticos, criou uma agência de modelos e etiqueta, entrou na moda polêmica do Telexfree. Nenhum desses investimentos elevou de fato sua renda – na verdade, depois de acumular cerca de R$ 2 mil com os créditos para celulares, teve sua conta em um banco privado esvaziada. Dividia a senha com a pessoa que o contratou. Não recebeu mais notícias ou qualquer sinal de respeito.

Papai Noel mora no Ipsep, em uma casinha branca de muro rachado e teto baixo, a rua sem asfalto é enfeitada com duas enormes poças de lama. Lá dentro, vira dias e madrugadas acordado porque sabe que é impossível manter o sonho, a alegria, a luz pequenininha brilhando, sem qualquer tostão. Tem poucos dias para ir às ruas, quer se ver cercado de crianças segurando caixas de papel bonito, mas até agora não conseguiu comprar nenhum presente. Nenhum. Antes, nessa época, já tinha acumulado algumas doações, aparecia alguém dando algum apoio na escola na qual trabalhou. Mas chegou hoje, dia 21 de dezembro, e nada. 

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